sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Caracteres da Revelação Espírita

Allan Kardec

 Paris (FR), janeiro de 1868
  8. –Todas as religiões tiveram os seus reveladores, e embora estivessem longe de haver conhecido toda a verdade, tiveram a sua razão de ser providencial; porque eram apropriados ao tempo e ao meio onde viviam, ao gênio particular dos povos aos quais falavam, e aos quais eram relativamente superiores. Malgrado os erros de suas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos, e, por isso mesmo, semeado os germens do progresso que, mais tarde, deveriam desabrochar, ou desabrocharão um dia ao sol do Cristianismo. É, pois, erradamente que se lhes lança anátemas em nome da ortodoxia, porque um dia virá no qual todas essas crenças, tão diferentes pela forma, mas que repousam, em realidade, sobre um mesmo princípio fundamental: - Deus e a imortalidade da almase fundirão em uma grande e vasta unidade, quando a razão houver triunfado sobre os preconceitos.
     Infelizmente, as religiões, em todos os tempos, foram instrumentos de dominação; o papel de profeta tentou as ambições secundárias, e se viu surgir uma multidão de pretensos reveladores, ou messias, que graças ao prestígio desse nome, exploram a credulidade, em proveito do seu orgulho, de sua cupidez ou de sua preguiça, achando mais cômodo viver às expensas de suas vítimas. A religião cristã não esteve ao abrigo desses parasitas. A esse propósito, rogamos uma atenção séria sobre o capítulo XXI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Haverá falsos Cristos e falsos profetas”.



45. – A primeira revelação estava personificada em Moisés, a segunda no Cristo; a terceira não está em nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a terceira é coletiva; está aí um caráter essencial de uma grande importância. Ela é coletiva no sentido de que não foi feita como privilégio a pessoa alguma; que ninguém, por conseguinte, pode dela se dizer o profeta exclusivo. Foi feita, simultaneamente, sobre toda a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades, e de todas as condições, desde o mais alto da escala, segundo esta predição referida pelo autor dos Atos dos Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei de meu espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão sonhos”. (Atos, cap.II, vers. 17 e 18). Não saiu de nenhum culto especial, a fim de servir, a todos, um dia, de ponto de reunião.

49. – As duas primeiras revelações não poderiam ser senão o resultado de um ensinamento direto; deveriam impor-se à fé pela autoridade da palavra do Mestre, não estando os homens bastante avançados para concorrerem na sua elaboração.
     Notemos, todavia, entre elas uma nuança bem sensível que se prende ao progresso dos costumes e das idéias, se bem que tenha sido produzidas no mesmo meio, mas, após dezoito séculos de intervalo. A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe ao povo pela força. A de Jesus, essencialmente conselheira; é livremente aceita e não se impõe senão pela persuasão; foi controvertida mesmo durante a vida do seu fundador, que não desdenhava discutir com os seus adversários.

50. – A terceira revelação veio numa época de emancipação e de maturidade intelectual, onde a inteligência desenvolvida não pode reduzir-se a um papel passivo, onde o homem não aceita nada cegamente, mas quer ver onde é conduzido, saber o por quê e o como de cada coisa, devia ser, ao mesmo tempo, o produto de um ensinamento e o fruto do trabalho de pesquisa e do livre exame. Os Espíritos não ensinam senão o exatamente necessário para colocar sobre o caminho da verdade, mas abstêm-se de revelarem o que o homem pode encontrar por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, de controlar e de tudo submeter ao cadinho da razão, deixando-o mesmo, frequentemente, adquirir experiência às sua custas. Dão-lhe o princípio, os materiais; cabe-lhe tirar deles proveito e pô-los em prática.



55 – O último caráter da revelação espírita, e que ressalta das próprias condições nas quais está feita, é que, apoiando-se sobre fatos, não pode ser senão essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Por sua essência, contrai aliança com a ciência que, sendo a exposição das leis da Natureza em certa ordem de fatos, não pode ser contrária à vontade de Deus, autor dessas leis. As descobertas da ciência glorificam Deus em lugar de diminuí-lo; elas não destroem senão o que os homens estabeleceram sobre as idéias falsas que fizeram de Deus.
     O Espiritismo não coloca, pois, como princípio absoluto, senão o que está demonstrado como evidência, ou que ressalta logicamente da observação. Tocando em todos os ramos da economia social, às quais presta o apoio de suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, chegadas ao estado de verdades práticas, e saídas do domínio da utopia; sem isso se suicidaria; cessando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. O Espiritismo, caminhando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, modificar-se-á sobre esse ponto; se uma nova verdade se revela, ele a aceita (2).



       (2) diante de declarações tão claras e tão categóricas, como as que   estão contidas neste capítulo, caem todas as alegações de tendência ao absolutismo e à autocracia dos princípios, todas as falsas assimilações que pessoas prevenidas ou mal informadas, prestam à Doutrina. Estas declarações, aliás, não são novas; nós as temos repetido bastante em nossos escritos para não deixar nenhuma dúvida a esse respeito. Nos assinalam, por outro lado, o nosso verdadeiro papel, o único que ambicionamos: o de trabalhador. 


A Gênese – Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo – Cap. I - Allan Kardec

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