Paris (FR), abril de 1864.
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Allan Kardec |
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Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos, é necessário
conhecer o valor de várias palavras que nele são empregadas com frequência, e
que caracterizam o estado dos
costumes e da sociedade judaica dessa época. Essas palavras, não
tendo para nós o mesmo sentido, frequentemente foram mal interpretadas,
e por isso mesmo deixaram uma
espécie de incerteza. A compreensão do seu significado explica, por outro
lado, o sentido verdadeiro de certas máximas que parecem estranhas à
primeira vista.
SAMARITANOS. Depois
do cisma das dez tribos, Samaria
tornou-se a capital do reino
dissidente de Israel. Destruída e reconstruída por várias vezes, ela
foi, sob os Romanos, a sede da Samaria, uma das quatro divisões da
Palestina. Herodes, dito o
Grande, a embelezou, com suntuosos monumentos, e, para agradar Augusto,
deu-lhe o nome de Augusta em grego Sébaste.
Os Samaritanos estiveram, quase sempre,
em guerra com os reis de Judá; uma aversão profunda, datando da separação,
perpetuou-se entre os dois povos, que afastavam todas as relações recíprocas.
Os Samaritanos, para tornar a cisão mais profunda e não ter que ir a
Jerusalém na celebração das festas religiosas, construíram um templo particular, e adotaram certas reformas.
Eles não admitiam senão o Pentateuco
contendo a lei de Moisés, rejeitando
todos os livros que lhe foram anexados depois. Seus livros sagrados
eram escritos em caracteres hebreus da mais alta antiguidade. Aos
olhos dos Judeus ortodoxos, eles
eram heréticos, e, por isso mesmo,
desprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas nações
tinha, pois, por único principio a divergência
das opiniões religiosas, embora suas crenças tivessem a mesma origem;
eram os Protestantes daquela época.
Encontram-se, ainda hoje, Samaritanos em
algumas regiões do Levante, particularmente em Naplouse e Jaffa. Eles
observam a lei de Moisés com mais rigor que os outros Judeus, e não contraem
aliança senão entre eles.
NAZARENOS. Nome dado, na antiga lei, aos Judeus que faziam voto, seja
pela vida, seja por um tempo, de conservar uma pureza perfeita. Eles se obrigavam à castidade, à
abstinência de álcool e à conservação da sua cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram
Nazarenos.
Mais tarde, os Judeus deram esse nome aos primeiros cristãos, por alusão a
Jesus de Nazaré.
Este foi também o nome de uma seita
herética dos primeiros séculos da era cristã
que, da mesma forma que os Ebionitas, dos quais ela adotava certos
princípios, misturava as práticas do Mosaísmo com os dogmas cristãos. Essa
seita desapareceu no quarto século.
PUBLICANOS. Assim
se chamavam, na antiga Roma, os
cavaleiros arrematantes das taxas públicas, encarregados do
recolhimento dos impostos e das rendas de toda natureza, seja na própria
Roma, seja em outras partes do Império. Eles eram análogos aos
arrematantes de impostos gerais do antigo regime na França, e tais como
existem ainda em certas regiões. Os riscos que eles corriam faziam fechar os
olhos sobre as riquezas que, frequentemente, adquiriam, e que, em muitos,
eram o produto de exações e de benefícios escandalosos. O nome de publicano
se estendeu mais tarde a todos aqueles que tinham a administração do
dinheiro público e aos agentes subalternos. Hoje, esta palavra se toma em
mau sentido para designar os financistas e agentes de negócios pouco
escrupulosos; diz-se algumas vezes: “Ávido como um publicano; rico como um
publicano”, para uma fortuna de origem desonesta.
Da
denominação romana, foi o imposto o que os judeus aceitaram mais dificilmente e o que lhes causava maior
irritação, dando origem a várias
revoltas e transformando-se numa questão religiosa, porque o olhavam
como contrário à lei. Formou-se mesmo um partido poderoso à frente do qual
estava um certo Judas, dito o Gaulonita, que tinha por princípio a
recusa do imposto. Os Judeus tinham, pois horror ao imposto e, por
consequência, a todos aqueles que estavam encarregados de recebê-lo; daí sua aversão pelos publicanos de
todas as categorias, entre os quais poderiam se encontrar pessoas
muito estimáveis, mas que, devido à sua função, eram desprezadas, assim
como aqueles que com eles conviviam, e que eram confundidos na mesma
reprovação. Os Judeus mais importantes acreditavam comprometer-se tendo
com eles relações de intimidade.
OS PORTAGEIROS. Eram os cobradores de baixa categoria, encarregados
principalmente da arrecadação dos direitos à entrada nas cidades. Suas
funções correspondiam aproximadamente às dos guardas alfandegários e dos recebedores de barreira; eles
sofriam a mesma reprovação aplicada aos publicanos em geral. É por essa razão
que, no Evangelho, encontra-se, frequentemente, o nome de publicano unido ao
de gente de má vida; essa qualificação não implicava na de debochados e de
pessoas de honra duvidosa; era um termo de desprezo, sinônimo de
pessoas de má companhia, indignas de conviverem com pessoas de bem.
FARISEUS (do Hebreu
Parash, divisão, separação). A tradição formava uma parte importante da teologia judaica; ela consistia
na coletânea das interpretações
sucessivas dadas sobre o sentido
das Escrituras, e que se tornavam artigos de dogma. Era, entre os
doutores, objeto de intermináveis
discussões, o mais frequentemente sobre simples questões de palavras
ou de forma, no gênero das disputas teológicas e das sutilezas da escolástica
da Idade Média; daí nascerem
diferentes seitas que pretendiam ter, cada uma, o monopólio da verdade,
e, como acontece quase sempre, detestando-se cordialmente umas às outras.
Entre essas seitas, a mais influente era
a dos Fariseus, que teve por chefe
Hillei, doutor, judeu
nascido na Babilônia, fundador de uma escola célebre onde se ensinava
que a fé não era devida senão às
Escrituras. Sua origem remonta
aos anos 180 ou 200 antes de Jesus Cristo. Os Fariseus foram
perseguidos em diversas épocas, notadamente sob Hircânio, soberano pontífice e rei dos Judeus, Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria;
entretanto, este último tendo lhes restituído suas honras e seus bens, eles
recuperaram seu poder que conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da era cristã, época na qual seu
nome desapareceu em consequência da dispersão dos Judeus.
Os Fariseus tomavam parte ativa nas
controvérsias religiosas. Servis
observadores das práticas exteriores do culto e das cerimônias,
cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos dos inovadores, eles afetavam uma grande severidade
de princípios; mas, sob as
aparências de uma devoção meticulosa, escondiam costumes dissolutos, muito
orgulho, e, acima de tudo, uma paixão excessiva de dominação. A
religião era, para eles, antes um
meio de subir do que o objeto de uma fé sincera. Eles não tinham senão as aparências e a ostentação da virtude;
mas, com isso, exerciam uma grande influência sobre o povo, aos olhos do qual
passavam por santos personagens; por isso, eram muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam,
ou pelo menos faziam profissão de crer, na Providência, na imortalidade da
alma, na eternidade das penas e na ressurreição dos mortos. (Cap. IV,
nº4.) Jesus, que estimava, antes de tudo, a simplicidade e as qualidades de coração, que preferia na lei o espírito que
vivifica à letra que mata, se aplicou durante toda a sua missão, a
lhes desmascarar a hipocrisia, e, por conseguinte, fez deles inimigos
obstinados; por isso, aliaram-se aos príncipes dos sacerdotes para amotinar o
povo contra ele e fazê-lo perecer.
ESCRIBAS. Nome
dado, no princípio, aos secretários dos reis de Judá,
e a certos intendentes dos exércitos Judeus; mais tarde, esta designação foi aplicada especialmente aos doutores que ensinavam a lei de
Moisés e a interpretavam ao povo. Eles faziam causa comum com os Fariseus, dos quais partilhavam os princípios e a
antipatia contra os inovadores; por isso, Jesus os confunde na mesma
reprovação.
SINAGOGA (do grego Sunagogue, assembleia,
congregação). Não havia na Judéia
senão um único templo, o de Salomão, em Jerusalém, onde se celebravam as
grandes cerimônias do culto. Os Judeus para aí seguiam todos os anos
em peregrinação, para as principais festas, tais como as da Páscoa, da
Dedicação e dos Tabernáculos. Foi
nessas ocasiões que, para lá, Jesus fez várias viagens. As outras cidades não tinham templos,
mas sinagogas, edifícios onde os Judeus se reuniam aos sábados
para fazer preces públicas, sob a
direção dos Anciãos, dos escribas ou doutores da lei; faziam-se aí,
também, leituras tiradas dos livros
sagrados que eram explicadas e comentadas; cada um podia nelas
tomar parte e, por isso, Jesus, sem
ser sacerdote, ensinava nas sinagogas, nos dias de sábado.
Depois da ruína de Jerusalém e da
dispersão dos Judeus, as sinagogas, nas cidades que eles habitavam,
serviam-lhes de templos para a celebração do culto.
SADUCEUS. Seita
judia que se formou por volta do
ano 248 AC; assim chamada em razão de Sadoc, seu fundador. Os Saduceus não acreditavam nem na
imortalidade da alma, nem na ressurreição, nem nos bons e maus anjos.
Entretanto, eles acreditavam em Deus, mas não esperando nada depois da morte, não o servindo senão com o objetivo de recompensas
temporais, ao que, segundo eles, se limitava sua providência; também a satisfação dos sentidos era, a seus
olhos, o objetivo essencial da vida. Quanto às Escrituras, eles se prendiam ao texto da lei antiga,
não admitindo nem a tradição, nem
nenhuma interpretação; colocavam
as boas obras e a execução pura e simples da lei, acima das práticas
exteriores do culto. Eram, como se vê, os materialistas, os deístas e os sensualistas da época.
Esta seita era pouco numerosa, mas contava com personalidades importantes, e
tornou-se um partido político constantemente em oposição aos Fariseus.
ESSÊNIOS ou ESSEUS.
Seita judia fundada por volta do ano
150 AC., ao tempo dos Macabeus, e cujos membros, que habitavam espécies de monastérios,
formavam entre eles uma espécie de
associação moral e religiosa. Distinguiam-se pelos costumes brandos e virtudes austeras,
ensinavam o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam
na ressurreição. Viviam no celibato, condenavam a servidão e a
guerra, tinham seus bens em comum, e se entregavam à agricultura. Em
oposição aos Saduceus sensuais que negavam a imortalidade, aos Fariseus
rígidos para as práticas exteriores, e nos quais a virtude não era senão
aparente, eles não tomavam nenhuma parte nas querelas que dividiam essas
duas seitas. Seu gênero de vida se
aproximava ao dos primeiros cristãos, e os princípios de moral que
professavam fizeram algumas pessoas pensarem que Jesus fez parte dessa seita
antes do início de sua missão pública. O que é certo, é que ele deve tê-la
conhecido, mas nada prova que a ela se filiou, e tudo o que se escreveu a
este respeito é hipotético.
TERAPEUTAS (do
grego Thérapeutai, servir, cuidar; quer dizer, servidores de Deus ou
curandeiros). Sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito.
Tinham uma grande semelhança com os Essênios, dos quais professavam os
princípios; como este últimos, ele se
entregavam à pratica de todas as virtudes. Sua alimentação era de uma
extrema frugalidade; devotados ao celibato, à contemplação e à vida
solitária, formavam uma verdadeira ordem religiosa. Fílon, filósofo judeu
platônico de Alexandria, foi o primeiro que falou dos Terapeutas;
considerou-os uma seita do judaísmo. Eusébio, São Jerônimo e outros Pais da
Igreja pensavam que eram cristãos. Fossem judeus ou cristãos, é evidente que
da mesma forma que os Essênios, eles formam o traço de união entre o judaísmo
e o Cristianismo.
Allan
Kardec – O Evangelho Segundo o Espiritismo- Tradução de Salvador Gentile,
revisão de Elias Barbosa. Araras, SP – IDE, 309ª edição, 2005.
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